terça-feira, março 25, 2008

A capacidade competitiva das cidades e da politica da habitação

Não podia deixar de partilhar convosco a intervenção que li do Professor Costa Lobo no VI Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Planeadores do Território publicada na revista Planeamento:

Queria aproveitar para vos agradecer, e também para agradecer a mim próprio por ter cá estado, para ouvir a Teresa Andersen, foi muito agradável. E que me colocou um grande dilema: vou apresentar aqui os acetatos ou vamos debater estes assuntos. É uma alternativa. Muitas vezes, nestas sessões, cada um de nós despeja alguma afirmação, mas não há depois muito tempo para debater os problemas. Eu tenho sempre pena que não haja.. - em privado a pessoa pode depois continuar a debater os assuntos, mas escapa a possibilidade de falar.

Um preâmbulo muito rápido para relembrar o que foram as cidades na Europa. Acho que as cidades na Europa tiveram um papel, uma função, um significado que não devemos esquecer cada vez que estamos a pensar no nosso território, desde as tais cidades gregas e dos hititas, precedidas por Uruk, no Iraque, ou Jericó, agora na Palestina, ou Çatal Hoüyük, na Turquia. Acho que devemos continuar a pensar mais nessas antigas cidades, elas ainda têm muita coisa para nos dizer.

Depois, chamar a atenção para o declínio dessas cidades, as cidades-estado, como era Uruk, mas depois o estado é que passa a ser o elemento importante e as cidades vão decaindo, nomeadamente entre nós. Os municípios há cinquenta anos podiam muito pouco, de facto a força e a capacidade estava muito no governo central. Só que isso também foi desaparecendo, neste momento o governo central está a ficar sem forças, e está a devolver alguma força às Câmaras Municipais, mas muita vai por outros caminhos, vai para outras instituições. Para grandes instituições económicas, para grandes multinacionais, para grandes poderes... até de ordem política.., quem sabe até talvez para os grupos terroristas, para as máf ias. Não sei para onde é que vai, mas sei que se perde. A gente põe a água ali acima, na rede de abastecimento de água no Porto e depois contabiliza a água que chega a casa das pessoas e é menos daquela que se tinha posto a montante. Pois aqui também, nesta história dos poderes, há os poderes que vão para algum lado, mas não sei bem para onde. Não sei se aqui haverá alguém que depois nos possa explicar. Mas de facto vai-se perdendo esse poder central. E aparece aqui agora uma frase que é o interesse público. Eu lembro-me quando estudei, e quando era profissional aqui há cinquenta anos, nos meus inícios, que o interesse público era citado a cada duas linhas. Por causa do interesse público tudo se justificava: expropria-se, para o interesse público, fazem-se os planos, para o interesse público.., e agora o interesse público tem vindo a diminuir a frequência com que se fala dele, até ao ponto em que a referência tem desaparecido em reuniões internacionais (em que praticamente já desapareceu). Ainda agora em Oslo, naquela grande Federação de Habitação, Urbanismo e Ordenamento do Território, que vem já do tempo de Ebenezer Howard, um dos grandes idealistas da cidade-jardim. Nessa sessão aparece alguém a certa altura a explicar o que era o planeamento de agora, e diz: “No planeamento já não fazemos expropriações. Para tratar dos problemas fazem-se negociações, faz-se um diálogo, concertam-se as ideias, não somos impositivos.., e por aí fora. O preço dos terrenos? É o preço do mercado, assim cumprindo a tal história de que na Europa se fala muito, de que é preciso garantir os direitos cívicos das pessoas, os direitos dos cidadãos. Eá na Noruega nós cumprimos isso tudo. Nós respeitamos os direitos dos cidadãos. Não expropriamos, nem forçamos, tudo em diálogo.” Uma assembleia enorme com centenas de pessoas (esta Federação atrai muita gente, três ou quatro vezes mais do que a Associação Internacional de Urbanistas). Estava muita gente. O estrado era muito longe.., era uma situação pouco fácil para o debate, mas eu fiquei tão perturbado que pedi para falar, e disse: “Ouçam lá! Mas vocês com essa técnica, quando a população precisar mesmo de uma escola, de um centro cultural, de uma via a ligar de um lado ao outro e não conseguirem uma boa relação com o proprietário, ou porque o preço do terreno é muito caro, ou porque ele não quer vender, como é que resolvem o problema?” Foi muito interessante a resposta dele: “Bom, não resolvemos. É por isso que eu acho que este sistema não vai dar a lado nenhum.” Foi a resposta que ele me deu, um norueguês. Eu fiquei elucidado. A partir dali não fiz mais nenhuma pergunta.

Mas continuo preocupado. Aquele conceito do interesse público deixou de existir, agora fazemos cumprir o direito de cada pessoa, não pisar ninguém... Isso é muito bonito. Eu não posso pisar ninguém, não posso magoar ninguém, mas... e se ele me estiver a magoar a mim? Tenho a impressão que se está a degradar o nosso sentido social de ver as coisas. Nós temos que pensar que ao garantir que não estou a prejudicar uma pessoa, estarei eventualmente a prejudicar as outras pessoas todas. Quando defendo por exemplo o direito à reversão, ou quando imponho por exemplo o direito a ter aprovado um projecto porque não houve resposta a tempo. Então porque é que se faz isso? Para não pisar os direitos de uma pessoa. Mas posso estar a pisar os direitos dos outros todos que estão do outro lado. Quando a população um dia começar a descobrir o que se está a passar, acho que isto deve criar um sentido de revolta. Nós tínhamos caminhado durante muitas dezenas de anos para um processo de ver as coisas colectivas, de ver o interesse público, ver como é que nos íamos entender... agora já não nos entendemos: temos só que respeitar, uma a uma, as pessoas. Há aqui qualquer coisa de muito perverso, mas quando é apresentada parece muito bem: respeitamos toda a gente, dialogamos... Apresentado assim parece muito bem. Na prática parece muito mal. Esta era a primeira ilação que eu queria tirar.

Agora vamos outra vez falar de cidades. Com estas peripécias todas estão a aparecer muitas policidades, a cidade única começa a ser muito grande, o centro começa a não funcionar bem, portanto ou temos centros secundários ou começamos a formar outras cidades e formam-se constelações. Aí pela Europa fora a gente vê que de facto se encontram já constelações interessantes. E nós aqui no nosso país à beira-mar plantado temos uma constelação das mais maravilhosas que eu conheço aqui na Europa. Tive a honra e o privilégio de trabalhar nela, já aqui foi dito isso: a chamada região do Porto. É de facto um conjunto de cidades notabilíssimo. Quando a gente diz região do Porto é bom reparar que estamos a chamar “do Porto”... ora tanto é do Porto como é de Braga, como é de Guimarães, como é de Barcelos. Talvez o nome soe mal. Mude-se o nome. A Constelação do Noroeste Português, por exemplo, nome bonito... mas há pessoas que sabem baptizar. Ponham-lhe um nome que seja interessante. De facto aqui é um problema. Quando nós dizemos região de Lisboa, é de facto a região do estuário do Tejo centrado em Lisboa. Mas a do Porto não é nada disso. Antes do Porto já estaria Bracara Augusta, ou Guimarães, ou Outras.., é de facto um conjunto. Depois acontece que neste momento o concelho do Porto pode ser mais importante que os outros, mas a génese, o entendimento daquele espaço é o de ser um conjunto de cidades. Portanto aquela área urbanisticamente muito rica, aquela constelação de cidades, é o resultado de uma conjugação de cidades, e não o resultado de uma cidade que depois foi criando outras à roda. Não é nada assim. As pessoas têm que se convencer disso. Como não se convencem, fazem aquela tira que corta o Ave e dizem que aquilo é a Área Metropolitana do Porto. A mim até me dá pena que alguém ponha aqui no ecrã essa imagem, eu não punha, e não ponho. Quando muito ponho um outro assim um bocadinho maior: pode não ser a Área Metropolitana do Porto, é a Área Metropolitana do Porto mais um bocadinho. Pronto, para não ser preso. Porque está no Diário da República que é assim, e a gente tem que dizer que é assim. Só que a actual Área Metropolitana do Porto é nada, em termos da paisagem, em termos de hidrografia, em termos daquela cidade que vai de Vila Nova de Famalicão a Guimarães e que tem lá 350 000 mil pessoas espalhadas por aquelas aldeias de Riba D’Ave e Santo Tirso e por aí fora... É um mundo extraordinário, não se pode cortar. O Dr. Barnard, não sei se ouviram alguma vez falar, ainda eram muito pequeninos quando Barnard começou a fazer a primeira operação ao coração. Ele fez a primeira operação ao coração, tirou o coração da pessoa, tratou-o e tornou-o a lá meter. Não tirou metade do coração, já nunca mais o conseguia lá encaixar. Tirou-o todo. E nós, aquela área, aquela região do Porto, tem que se olhar toda em conjunto, não pode ser metade, porque depois a outra metade já não “cola”. E o problema é que depois dá soluções diferentes. Quando nós estamos a tentar resolver os problemas da área metropolitana do Porto e começamos só a olhar para metade, não conseguimos descobrir. Há muitas soluções que estão fora daquela metade. Aquela constelação que é tão importante daria ao Porto uma posição semelhante a outras que há pela Europa que se apresentam como pólos urbanos muito fortes. Ainda por cima esta é muito variada: quem gosta de diversidade aqui está. Porto, Braga, Guimarães, Barcelos... Tão diferentes uns dos outros mas formando aquele conjunto urbano tão próximo, aquelas cidades todas. Não há mais, aqui no país não há nada que se possa comparar. Pois não. Ao marcar metade, o Porto é sempre muito pequenino. É um terço de Lisboa, cortando-lhe assim um bocado. Lisboa foi até Setúbal. Não se importou nada, ficou com a península toda. Ainda bem. Olha se fosse só metade da península! Mas seja como for. Aqui é um problema que eu acho que é muito grave, e que nós temos que ponderar com muita atenção. De facto se queremos competir, se queremos cidades que vão competindo.., como é que se compete com metades de coisas? Eu não sei. Eu para já tinha de andar ao pé coxinho... era muito difícil. Ora uma pessoa anda com dois pés. Ali aquele conjunto de cidades teria uma força tão grande que se poderia comparar bem a Barcelona, e que se poderia comparar ao que estão a fazer no País Rasco. Em Espanha, já não é Bilbao, coitadinho de Bilbao. Agora é Bilbao, San Sebastián e Vitoria. Aquelas três cidades já estão ali todas bem unidas e todas a trabalhar com o mesmo objectivo, e estão a marcar: agora o nosso próximo congresso da associação internacional de urbanistas já vai ser em Bilbao, porque é Bilbao, San Sebatian e Vitoria, porque se fosse só Bilbao já ninguém lá ia. Mas aquilo é um conjunto que representa uma comunidade urbana muito forte, muito interessante. A gente vai pela Europa ver estas cidades. Os holandeses há que tempos têm a Randstad, a tal cidade que são uma data de cidades, todas à volta de um espaço verde, que já não vai ficando tão verde. Também já vão tendo os seus problemas. Ainda são dos melhores da Europa, ainda assim lá vão bicando uns bocadinhos daqueles espaços verdes. Seja como for é uma constelação muito importante. Eles fazem força com isso.., um dos grandes póios urbanos da Europa é a Randstad. Não vão dizer que é Utrech, Amsterdam, ou Haia, é a Randstad. E nós temos aqui este conjunto que está a ser desperdiçado. Está a ser assassinado por um Diário da República que resolveu só pôr lá metade. Porquê? Porquê? Será porque os de Braga “não podem” com os do Porto!? Essa agora! Então também se calhar é melhor não pertencer a Portugal. Faz-se ali um estado-nação no Porto...


Vejamos agora a figura 1. Toda aquela ferradura que está à volta do Estuário, que obviamente, ancestralmente, desde a antiguidade, era o grande espaço que rodeava o Estuário. Há um bocadinho que saltou. Corno se lhe caísse um dente. Que esquisito. Foi isso que aconteceu a Lisboa. Qual foi o “dente” que se perdeu: Benavente. Benavente faz parte daquela “ferradura” e não pertence à Área Metropolitana! Um dia, fiquei indignado e fui dizer lá ao Governo daquela altura: então mas o que é isto? Resposta: “Nós somos muito democráticos, e Benavente não quis”. Que pena não ter sido Lisboa que não queria, por exemplo. Ficava de fora. Isto admite-se? Anda-se a brincar aos planos? Este quer e o outro não quer!... Áreas territoriais para fazer planeamento não implica alterar os concelhos, nem tem que alterar a nacionalidade! Estamos a falar em planos, em espaços-plano, espaços que permitam organizar o território de uma maneira que as pessoas lá possam viver melhor, de uma maneira que os recursos, as cidades, tudo o que lá está possa estar melhor. Como é que é possível? A mim custa-me muito ver estas coisas. Mas continuo a ter esperança que algum dia se há-de endireitar. Vamos a ver. Ao menos pela Europa tem vindo a aumentar o número dos planos transfronteiriços. Valha-nos isso.

Ora bem. Continuando a questão da competição. O Porto, aquele conjunto de cidades à roda do Ave, do Cavado e do Douro,., aquele conjunto que podia estar numa das posições importantes da Europa, e em lugar cimeiro na península, a seguir a Madrid, como Lisboa e Barcelona, afinal não está. Anda lá muito para baixo.

Depois o problema das cidades. Começamos a pensar que para elas conseguirem competir têm que ter grandes superfícies comerciais. Os holandeses não quiseram. É duvidoso se é bom. Os alemães estão a criar impostos sobre as grandes superfícies. Sacam os impostos e o que é que vão fazer com esses impostos? Vão colocá-los no comércio tradicional de bairro. Porque há muitas pessoas que não podem ir até ao grande centro comercial. Há muitas pessoas que, de facto, se habituaram. Metem-se no carro, porque ainda estamos na sociedade do carro, e vão fazer as suas compras semanais. Mas há pessoas que não podem fazer isso. Portanto essas, coitadinhas, sujeitam-se ao comércio que resta no bairro, que está cada vez mais pobre, cada vez mais sem nada, cada vez mais caro. Os alemães encontraram um sistema de ajudar esse comércio tradicional, comércio de bairro, que é tão importante para tanta gente, pessoas de mais idade, jovens, enfim, e quaisquer pessoas que não tenham aquela civilização do carro como obrigatória... Eu penso que o comércio tradicional é necessário. Cuidado, não o façam desaparecer. Se o plano é feito só pelas pessoas que são os técnicos, que estão na força da vida, que têm os seus carros, que se deslocam de um lado para o outro, esses não reparam que é necessário. É como na América: aqueles grandes subúrbios de casinhas isoladas por aí fora, umas atrás das outras, servem bem a pessoa que tem o seu carro e que vai para o seu clube, que vai para o seu trabalho, estão para ali com um vizinho de um lado, com um vizinho do outro, mais ou menos abandonados no deserto americano. Portanto cautela, essa não é a tradição europeia, ou também queremos ser americanos? Acho que não.

Voltando às grandes superfícies no meio de grandes cidades. Lembro-me uma vez em que fiquei muito impressionado. Estava na Escócia com o meu amigo, o prof. Johrison-Marshall, com quem depois trabalhei aqui no plano da Região do Porto, e em Edinburgh convidou-me para ir visitar uma cidade nova. Saímos de carro, era domingo, portanto não havia coisas para fazer na Universidade. Chegamos lá mas a área central da cidade estava fechada! Era uma grande superfície, tinha uma porta... o centro da cidade estava fechado. Viemos embora.

Cautela com isto. Será que as áreas centrais não são mais aquele espaço aberto, permanentemente aberto, onde a pessoa pode ir? Aqui tem-se feito o possível... A gente vai lá para Lisboa, lá para a Baixa Pombalina e não está fechado, mas está quase, porque de facto porta sim, porta não, está fechado. E a outra também! Portanto temos que ver se conseguimos encontrar outras soluções, e era tão fácil. Então lá em Lisboa era tão fácil que a área central fosse recuperada. Mas falta muita coisa. E a meu ver a primeira coisa que falta é o espírito associativo do próprio comerciante. Está muito ligado a processos antigos de fazer comércio, e não se sabe associar nem inovar. E não se sabendo associar é-se apanhado por uma grande multinacional, ou por um grande investidor que faz uma grande superfície, e passam a estar todos subordinados à vontade do dono daquela grande superfície. Se em vez de esperarem ser escravizados pelo grande dono as pessoas se associassem teriam outra força.


Mas passemos para o Noroeste. A figura 2 é a tal grande constelação do Noroeste português, que seria das peças de espaço urbano mais notáveis na Europa, uma das grandes peças urbanas. Muito bonito. E ao meio a cidade de Famalicão. Já agora, que falei da Grande Área Metropolitana do Porto, ou Região do Porto, aquela área Porto- Braga, ou como lhe quiserem chamar, e da Grande Área de Lisboa e do Estuário do Tejo... (podiam-se chamar outras coisas, se calhar cá em cima podia-se chamar a Área da Constelação Urbana do Noroeste ou do Hexágono e lá em baixo devia ser a Área da Constelação Urbana do Estuário do Tejo) esses dois grandes pólos estão bastante perto um do outro. Não é tão fácil assim pela Europa fora encontrar duas peças tão importantes em termos urbanísticos como este caso. Em Espanha não se encontra. Se formos ver Valência em relação a Barcelona ou em relação a Sevilha. Nenhum deles está tão próximo como está Lisboa e Porto. Portanto é uma tentação pensar se aqui há estes dois grandes espaços urbanos tão interessantes, se em vez de se planear um processo de rivalidade ou de oposição, se se encontrasse e se fizesse um planeamento conjunto teríamos um espaço binário que nessa altura ainda teria uma força muitíssimo maior. Nessa altura Madrid ficava a vacilar face a Lisboa-Porto. Não temos TGV, mas temos aí um comboio que já é bastante bom, temos a auto-estrada, temos a aviação, temos a costa, temos tudo. E todo esse espaço muito intensamente utilizado é Coimbra, Leiria, Aveiro. Temos aqui esta faixa que é tão urbanizada e é tão forte. Isto é um caso a pensar. Este conjunto, se planeado em conjunto... mas aqui é o presidente de Aveiro, aqui é o presidente de Leiria... não. Se a certa altura os políticos e os técnicos se encontrassem e planeassem em conjunto, isso dava cartas aí na Europa, e aqui é muito simples, é tudo dentro do mesmo país. Não se tem que falar com Vigo, ou Madrid. O transfronteiriço é difícil, e ainda por cima passando a fronteira da União Europeia para fora, mas aconteceu entre a Suiça e a França com o Cantão de Genéve e com três municípios em França, e fizeram um conjunto para terem competitividade, para obterem economia de escala. Este conjunto tem uma força que é de considerar, mas é muito difícil criar a associação naquele caso particular, passando de França para fora, que é um país centralizado. Estão a perceber como era... Aqueles municípios franceses tinham que pedir ao seu Ministro dos
Negócios Estrangeiros, que depois tinha que falar com o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Confederação Hel vética, quer dizer... daqui por um século ou dois o assunto estaria resolvido. Sabem como é que eles resolveriam isto? É preciso é ter imaginação. Os presidentes dos municípios de todos aqueles três municípios e do Cantão de Genève juntaram-se todos para uma grande jantarada e chegaram ao fim do jantar e fizeram uma associação privada entre os presidentes das câmaras. É curiosfssimo. Com uma asso ciação que não está proibida, fizeram uma associação em que combinaram trocar impressões uns com os outros, de baterem o que fazem em conjunto. É interessante como se conseguiu ultrapassar as tais leis, as tais burocracias muito complicadas. Eu acho que este é um exemplo que deve ser meditado. Para além da constelação do Porto, fica mais esta ideia: a metrópole binária Lisboa-Porto. Mas implica va vontades políticas, implicava ultrapassar certas dificuldades. Estão a ver ali: Lisboa-Porto é pertinho, em relação aos outros grandes pólos urbanos da península ibérica. Ainda por cima com uma frente atlântica fenomenal e com um estuário que dá cartas.

Agora para de facto poder competir, para poder ter projecção, é importante a questão dos serviços públicos. Já se falou aqui muito dos serviços públicos. Os serviços públicos têm que se inovar e a própria forma de gestão das câmaras municipais tem que evoluir. Nós vemos que agora temos uma nova lei, 380/99. A verdade é que a nova legislação veio introduzir uma preocupação de gestão. Aí podemos dizer que foi um grande passo em frente que demos. E é verdade que demos um passo em frente. Pode ser como precisar de quatro rodas para um carro e só ter urna. Compramos outra... ficou transformado numa bicicleta. Compramos uma terceira... ainda falta mais uma...

Ainda não se fez o suficiente! É que esta lei fez muito mas no meu entender não fez o suficiente. Portanto, neste aspecto de gestão, temos que caminhar em certas questões que é muito importante nós focarmos e aprofundarmos, e se calhar não vai haver aqui tempo para o discutir, que é muito complicado. Mas não esqueçamos que temos a sensação que falta qualquer coisa. Avance-se rapidamente para o que falta. Porque quando nós temos uma coisa quase pronta, mas falta ainda um bocadinho para ela poder funcionar, continua a não funcionar. Hoje de manhã, aqui alguém disse que há leis, há figuras que não são exequíveis. Não me interessam as coisas não exequíveis. Temos que pôr as coisas a trabalhar. E através do problema da política de solos, também se falou da carta de preços... há muitas coisas de que precisamos, mas há muitas coisas que podemos começar a fazer. E o resto tem de ser com criatividade, às vezes quase pisando o risco da lei, para ver se se consegue pôr o processo a avançar. De facto já se progrediu muito, mas falta qualquer coisa. E para se conseguir essa competitividade, as câmaras têm que conseguir, têm que ultrapassar coisas que a lei ainda não esclarece plenamente. Por vezes temos de arranjar uns caminhos mais complicados para lá chegar.

Agora fala-se muito em estratégia. A estratégia tem que estar, é evidente, não aceito é que não esteja. Para mim é quase redundante um plano sem estratégia pois não é planeamento. Agora as pessoas descobriram outro termo
— a governância. “Covernance” como dizem os ingleses. É talvez a tentativa de dizer que o império das forças do Estado e da Administração Pública está fraco, vamos ver se conseguimos no sector privado encontrar outras forças. E a governância terá que ser esse resultado do poder público instituído mais toda a participação privada, a ver se se consegue governar alguma coisa. Agora quando há muita gente a tentar governar corremos o risco de desgovernar. Aparece então uma outra palavra, que é desgovemância. Então vamos ver se nós estamos a fazer a governância ou estamos a fazer a desgovemância. Eu não sei se esta palavra existe ou não, mas as pessoas utilizam-na, portanto deixa-me cá utilizá-la também. Mas cuidado, essa governância pode ser uma forma capciosa de desresponsabilizar os serviços públicos de fazerem aquilo que devem, porque com a participação, com a obrigação deste sector privado se envolver, nós esperamos que as coisas se resolvam. Mas não se resolvem por actos de berliques e berloques. Assim, chamo a atenção para a responsabilidade pública que deve continuar a ser referida com muita força.

Uma pequenita referência só aos transportes. Temos aqui um “smart” pequenino, cá em baixo... Por muito pequenino que seja o “smart”, o carro é sempre qualquer coisa que ocupa muito expaço. Eu por exemplo ocupo mais ou menos 1/6 de um metro quadrado. Os carros ocupam cerca de 25 m2 para incluir a manobra, o abrir das portas, e se tivermos que ter um espaço no sítio onde se trabalha, outro em casa e outro no sítio onde vamos fazer as compras, 3 vezes 25 dá 75 m2, portanto contra aquele meu 1/6 de um metro quadrado, dá 6 vezes 75, dá qualquer coisa como algumas centenas de vezes mais, em relação à pessoa. Portanto acho que devemos ter muita cautela a ver como é que dominamos a questão da economia do carro. Eu ouvi, acho que foi anteontem, numa zona histórica, umas pessoas a defenderam que queriam o carro, outras a dizerem que não querem lá carros de maneira nenhuma. É uma zona conflituosa. Como urbanistas o que é que nós temos de fazer? Temos de encontrar uma terceira solução. E temos de encontrar uma fórmula que resolva os problemas. Porque é que eu quero o carro? Porque é que eu não quero o carro? Muitas vezes é porque as pessoas têm encetado a chamada guerra errada. Se a certa altura tiver uma rua onde cabem 20 carros, e tiver lá 40 pessoas que têm carro. Eu insistir que a câmara tem de lá deixar pôr os carros é uma guerra errada. Não vai ser possível! Ou eu mato o meu vizinho, ou qualquer coisa assim... Não é possível! Portanto as pessoas têm de encontrar guerras que sejam correctas. Hoje o poder público, a população, tem muita força. Mas, façam guerras certas, não façam guerras erradas. Se for preciso reivindiquem os transportes públicos, reivindiquem o estacionamento a um km de distância... um quilómetro? Então depois tinha que ir a andar 10 minutos! Mas se essa for uma solução possível e a outra não for solução? Como é que se está melhor? Com uma solução ou com uma não solução? Portanto, tem de se fazer com muita criatividade, com muita procura de criatividade, de mediação activa. Cuidado com o mediar conflitos onde as pessoas têm posições opostas! Temos de mediar mais do que estar ao meio, temos de inventar propostas que sejam completas e que respondam às diferentes necessidades com realismo e criatividade.

Ainda está aqui muita coisa que fica depois para outro dia...

Já agora que tenho este já aqui posto, vou mostrar este caso. Esta imagem representa outra vez o problema da competitividade. Um bloco.., e depois por uma questão de se ver melhor, para conseguir comercialmente impor-se, há outro senhor que faz um bloco um bocadinho maior. Mas depois há outro que chega naquela altura e diz: eu tenho que me impor. O que é que ele faz? Um bloco um bocadinho maior. Mas depois chega outro a seguir, e faz um bloco um bocadinho maior... e ali já não é só o problema do índice... podia ser, especular sobre o terreno, mas não se trata disso. Trata-se de visibilidade.
Ele quer competir com os seus concorrentes e quer ganhar. Quer mostrar-se, quer poder ter ali uma bandeira da sua empresa. Pronto. E nós temos que saber isso. Muitas coisas que têm a ver com os projectos das torres, a maior parte das vezes é porque alguém se quer impor. Aquela é que fica notada, aquela é que vai ser vista, aquela é que vai ser referida, a outra ninguém vê. É a comercialização da arquitectura. Bom, a mesma coisa com os anúncios. Faz-me lembrar os múncios em Tóquio, no Japão. Eles fazem um anúncio, depois põem o anúncio em cima do edifício, e depois põem anúncios maiores que o edifício, em cima do edifício. Aquele último anúncio já é maior. Agora outro que vier a seguir não sei já como é que será... Ora esta é uma guerra errada também. Nós não vamos deixar competir assim, competir pelo maior. Eu digo aos meus amigos arquitectos: oiçam lá, quando eu pedir para vocês me fazerem um prédio que seja muito visível, muito notável! Espero que não me digam: está bem, vou fazer um prédio muito alto! Mau! Se fazer um prédio que seja muito notado é fazer um prédio que seja muito alto, assim também sou capaz! Assim não vale. Vamos fazer com que ele seja interessante, que ele seja apelativo pela sua qualidade e não só pelo seu tamanho. Temos que encontrar maneira, através da diferença. Por exemplo o Cugenheim de Gerry, em Bilbao. Eu tive muito má impressão quando vi “aquilo” nos jornais: parecia uma coisa horrível. Estive lá: é uma peça fantástica. Não tentou impor-se por ser mais alto que os outros. Não! É uma peça bem inventada, coerente. Então vamos tentar com imaginação, com criatividade, arranjar maneira de competirmos, mas não cair na competição primária do ser maior, do ser mais alto... fazer mais torres...

Eu fico por aqui...


Lobo, M. C. (2007). A capacidade competitiva das cidades e da politica da habitação. Planeamento , nº4, p. 7.

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